Cansado, carrego no botão para chamar o elevador, não
pretendo descer os 5 andares e todos aqueles degraus, estou demasiado cansado.
Encosto-me na janela panorâmica, de costas para a paisagem do Tejo, observo os
extremos do corredor, de um lado o vazio de onde havia vindo, do outro em
grandes letras vermelhas coladas numa divisória em vidro a palavra “ONCOLOGIA”.
Um Homem de fato e um casal de idosos, o homem velho com
cerca de 80 anos, talvez mais, olhar serio como todas as pessoas têm de si, o
homem que foi educado e criado noutros tempos, é ainda um jovem adulto, rígido,
olha esperando o elevador com a sua esposa, mais encurvada, mais pequena, tão
pequena que chega a ser cómica na fofice de uma senhora, bem arranjada e
maquilhada, com colares longos e antigos que agora estão na moda dos novos anos
20. Os velhotes estão entristecidos pelo elevador demorar, tal como eu,
amaldiçoando o raio do elevador que nos esquece, rezando para que nos oiça, os
idosos no elevador prioritário aos doentes, lá na ponta, eu ali no das visitas,
são só elevadores, e nós impacientes rezamos carregando no botão em vão.
Desisto e continuo observando a tristeza dos olhos enrugados, pacientes,
experientes. Ao lado do casal, o Homem de fato azulado, bem arranjado, um
auricular na orelha que o ajuda a contactar com todo o mundo, uma pasta na mão,
olhar em frente e pose erecta, como senhor que é, rígido, esperando o elevador,
carregou, há-de vir, é pessoa experiente nisto.
Chegou o meu elevador, o velhote olha para mim, ouviu algo,
talvez o apito de chegada, eu nada digo, olho para ele e só aponto em frente,
tentando sorrir atabalhoadamente. Desajeitado ele corre, eu dou largos passos,
ponho-me na entrada impedindo o elevador de se mexer, o velhote vem ter comigo,
sorri com a sua dentadura postiça, perfeita de sorriso simpático, seguramos os
dois o elevador, a esposa distraída, entristecida olha a esperança esvaida do
seu elevador, o marido chama-a, ela, agora atenta endireita-se e corre, corre
como um desenho animado, junto as mãos ao peito, uns pés pequenos, avançando
meio centímetro após meio centímetro, como se batesse os pés. O respeito por
ver tão fraca figura a correr impede-me de rir, ela entra e respira como se
fizesse os 100 metros até ao fim.
O homem de fato, agora impaciente desvia o olhar da certeza,
acordado pela senhora que batia os pés, dá meia dúzia de passadas mal corridas
no fato desordenando toda a postura, chega ao elevador que eu e o velhote
seguramos, sorri com vergonha de já não ser o todo senhor homem de fato.
Agora olho para o elevador e em minha volta, quatro pessoas
desconhecidas, enfiadas no meio de quatro paredes metálicas, ninguém faz nada
mais que olhar o chão.
Carrego no 1, o velhote agradece, o rapaz do fato
envergonha-se. No meio do metal reluzente eu encosto-me ao reflexo da minha
pessoa metálica, os velhotes sorriem para o chão, o rapaz do fato também, eu
sem crer, talvez por observar tudo aquilo sorrio também para baixo, mordendo a
bochecha.
Horas que não passam, segundos entre andares, os sorrisos esvaem-se
os velhotes encurvam a postura agora entristecida, o Homem de fato
endireita-se. Eu penso naquelas pessoas, vindas da oncologia?
Tão velhos, vendo novos morrer?
O apito do piso 1, abrem-se as portas, o Homem do fato é o
primeiro a sair, com pressa certamente. O casal arrastando os pés, dizem-me com
um aceno encurvado de olhos no chão, ‘Boa Tarde’. Eu respondo sorrindo,
entristecido? Viram-me as costas, ele estica o braço envolvendo a esposa, ela
sai primeiro, apoiados um no outro saem em direcção à iluminada porta da saída no
fim do corredor amplo, ele toca-lhe no ombro apertando-a, como quem conforta.
Eu ainda encostado no canto do elevador, olho ao fundo a luz
que me levaria para fora dali.
Estupido! Digo para mim, deixei as tupperwares do almoço lá
em cima, carrego no 5 e digo para mim:
“Quando descer, já que posso, será de escadas.”
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