sexta-feira, novembro 01, 2013

In corredor no Hospital do barreiro

Cansado, carrego no botão para chamar o elevador, não pretendo descer os 5 andares e todos aqueles degraus, estou demasiado cansado. Encosto-me na janela panorâmica, de costas para a paisagem do Tejo, observo os extremos do corredor, de um lado o vazio de onde havia vindo, do outro em grandes letras vermelhas coladas numa divisória em vidro a palavra “ONCOLOGIA”.
Um Homem de fato e um casal de idosos, o homem velho com cerca de 80 anos, talvez mais, olhar serio como todas as pessoas têm de si, o homem que foi educado e criado noutros tempos, é ainda um jovem adulto, rígido, olha esperando o elevador com a sua esposa, mais encurvada, mais pequena, tão pequena que chega a ser cómica na fofice de uma senhora, bem arranjada e maquilhada, com colares longos e antigos que agora estão na moda dos novos anos 20. Os velhotes estão entristecidos pelo elevador demorar, tal como eu, amaldiçoando o raio do elevador que nos esquece, rezando para que nos oiça, os idosos no elevador prioritário aos doentes, lá na ponta, eu ali no das visitas, são só elevadores, e nós impacientes rezamos carregando no botão em vão. Desisto e continuo observando a tristeza dos olhos enrugados, pacientes, experientes. Ao lado do casal, o Homem de fato azulado, bem arranjado, um auricular na orelha que o ajuda a contactar com todo o mundo, uma pasta na mão, olhar em frente e pose erecta, como senhor que é, rígido, esperando o elevador, carregou, há-de vir, é pessoa experiente nisto.
Chegou o meu elevador, o velhote olha para mim, ouviu algo, talvez o apito de chegada, eu nada digo, olho para ele e só aponto em frente, tentando sorrir atabalhoadamente. Desajeitado ele corre, eu dou largos passos, ponho-me na entrada impedindo o elevador de se mexer, o velhote vem ter comigo, sorri com a sua dentadura postiça, perfeita de sorriso simpático, seguramos os dois o elevador, a esposa distraída, entristecida olha a esperança esvaida do seu elevador, o marido chama-a, ela, agora atenta endireita-se e corre, corre como um desenho animado, junto as mãos ao peito, uns pés pequenos, avançando meio centímetro após meio centímetro, como se batesse os pés. O respeito por ver tão fraca figura a correr impede-me de rir, ela entra e respira como se fizesse os 100 metros até ao fim.
O homem de fato, agora impaciente desvia o olhar da certeza, acordado pela senhora que batia os pés, dá meia dúzia de passadas mal corridas no fato desordenando toda a postura, chega ao elevador que eu e o velhote seguramos, sorri com vergonha de já não ser o todo senhor homem de fato.
Agora olho para o elevador e em minha volta, quatro pessoas desconhecidas, enfiadas no meio de quatro paredes metálicas, ninguém faz nada mais que olhar o chão.
Carrego no 1, o velhote agradece, o rapaz do fato envergonha-se. No meio do metal reluzente eu encosto-me ao reflexo da minha pessoa metálica, os velhotes sorriem para o chão, o rapaz do fato também, eu sem crer, talvez por observar tudo aquilo sorrio também para baixo, mordendo a bochecha.
Horas que não passam, segundos entre andares, os sorrisos esvaem-se os velhotes encurvam a postura agora entristecida, o Homem de fato endireita-se. Eu penso naquelas pessoas, vindas da oncologia?
Tão velhos, vendo novos morrer?
O apito do piso 1, abrem-se as portas, o Homem do fato é o primeiro a sair, com pressa certamente. O casal arrastando os pés, dizem-me com um aceno encurvado de olhos no chão, ‘Boa Tarde’. Eu respondo sorrindo, entristecido? Viram-me as costas, ele estica o braço envolvendo a esposa, ela sai primeiro, apoiados um no outro saem em direcção à iluminada porta da saída no fim do corredor amplo, ele toca-lhe no ombro apertando-a, como quem conforta.
Eu ainda encostado no canto do elevador, olho ao fundo a luz que me levaria para fora dali.
Estupido! Digo para mim, deixei as tupperwares do almoço lá em cima, carrego no 5 e digo para mim:


“Quando descer, já que posso, será de escadas.”