quarta-feira, novembro 19, 2014

Da almofada para a lua

Estou  na minha cama e consigo ver a lua. No meu quarto amplo de janelas altas e largas, eu comtemplo o universo ciente de nele me inserir como um pequeno grão de areia que existe, e simplesmente por existir se encontra feliz.
Resguardo-me debaixo das quentes mantas e lençóis lavados. Lá fora (como tantas vezes na minha vida) faz frio, aqui vive-se intensamente, ainda que o viver seja nada. E só esse nada pode chegar para me completar.

terça-feira, maio 27, 2014

Vens ou não vens?

Escuta, ouve à tua roda, por todas as travessas
ouves o suspiro de arrependimentos,
por isso a cidade está vazia, ninguém se quer reencontrar com a sua vergonha.
Humildemente cancelam canções, ignoram antigas decisões.
Fogem de si, do seu passado,
encovados,
encolhidos,
perdidos,
mas não esquecidos.
Só esquecem o mundo que conquistaram,
pois se desistiram, esses vão sempre perguntar-se a si próprios pelos seus fantasmas.

Dá-me a ocasião meu fado,
deixa-me sorve-la,
assim um dia posso esquece-la,
posso me esquecer de tudo.

Quem se lembra do homem mais feliz do mundo?
Nem ele próprio.
E esse alguém se alguma vez existiu,
está-se bem a foder para isso.

sexta-feira, novembro 01, 2013

In corredor no Hospital do barreiro

Cansado, carrego no botão para chamar o elevador, não pretendo descer os 5 andares e todos aqueles degraus, estou demasiado cansado. Encosto-me na janela panorâmica, de costas para a paisagem do Tejo, observo os extremos do corredor, de um lado o vazio de onde havia vindo, do outro em grandes letras vermelhas coladas numa divisória em vidro a palavra “ONCOLOGIA”.
Um Homem de fato e um casal de idosos, o homem velho com cerca de 80 anos, talvez mais, olhar serio como todas as pessoas têm de si, o homem que foi educado e criado noutros tempos, é ainda um jovem adulto, rígido, olha esperando o elevador com a sua esposa, mais encurvada, mais pequena, tão pequena que chega a ser cómica na fofice de uma senhora, bem arranjada e maquilhada, com colares longos e antigos que agora estão na moda dos novos anos 20. Os velhotes estão entristecidos pelo elevador demorar, tal como eu, amaldiçoando o raio do elevador que nos esquece, rezando para que nos oiça, os idosos no elevador prioritário aos doentes, lá na ponta, eu ali no das visitas, são só elevadores, e nós impacientes rezamos carregando no botão em vão. Desisto e continuo observando a tristeza dos olhos enrugados, pacientes, experientes. Ao lado do casal, o Homem de fato azulado, bem arranjado, um auricular na orelha que o ajuda a contactar com todo o mundo, uma pasta na mão, olhar em frente e pose erecta, como senhor que é, rígido, esperando o elevador, carregou, há-de vir, é pessoa experiente nisto.
Chegou o meu elevador, o velhote olha para mim, ouviu algo, talvez o apito de chegada, eu nada digo, olho para ele e só aponto em frente, tentando sorrir atabalhoadamente. Desajeitado ele corre, eu dou largos passos, ponho-me na entrada impedindo o elevador de se mexer, o velhote vem ter comigo, sorri com a sua dentadura postiça, perfeita de sorriso simpático, seguramos os dois o elevador, a esposa distraída, entristecida olha a esperança esvaida do seu elevador, o marido chama-a, ela, agora atenta endireita-se e corre, corre como um desenho animado, junto as mãos ao peito, uns pés pequenos, avançando meio centímetro após meio centímetro, como se batesse os pés. O respeito por ver tão fraca figura a correr impede-me de rir, ela entra e respira como se fizesse os 100 metros até ao fim.
O homem de fato, agora impaciente desvia o olhar da certeza, acordado pela senhora que batia os pés, dá meia dúzia de passadas mal corridas no fato desordenando toda a postura, chega ao elevador que eu e o velhote seguramos, sorri com vergonha de já não ser o todo senhor homem de fato.
Agora olho para o elevador e em minha volta, quatro pessoas desconhecidas, enfiadas no meio de quatro paredes metálicas, ninguém faz nada mais que olhar o chão.
Carrego no 1, o velhote agradece, o rapaz do fato envergonha-se. No meio do metal reluzente eu encosto-me ao reflexo da minha pessoa metálica, os velhotes sorriem para o chão, o rapaz do fato também, eu sem crer, talvez por observar tudo aquilo sorrio também para baixo, mordendo a bochecha.
Horas que não passam, segundos entre andares, os sorrisos esvaem-se os velhotes encurvam a postura agora entristecida, o Homem de fato endireita-se. Eu penso naquelas pessoas, vindas da oncologia?
Tão velhos, vendo novos morrer?
O apito do piso 1, abrem-se as portas, o Homem do fato é o primeiro a sair, com pressa certamente. O casal arrastando os pés, dizem-me com um aceno encurvado de olhos no chão, ‘Boa Tarde’. Eu respondo sorrindo, entristecido? Viram-me as costas, ele estica o braço envolvendo a esposa, ela sai primeiro, apoiados um no outro saem em direcção à iluminada porta da saída no fim do corredor amplo, ele toca-lhe no ombro apertando-a, como quem conforta.
Eu ainda encostado no canto do elevador, olho ao fundo a luz que me levaria para fora dali.
Estupido! Digo para mim, deixei as tupperwares do almoço lá em cima, carrego no 5 e digo para mim:


“Quando descer, já que posso, será de escadas.”

sábado, agosto 31, 2013

Seiva

Um homem tem tendência a repudiar mais a vida quando não sabe o que fazer com ela. Seja andar, deambular ou ficar sentando olhando em volta, esperando pacientemente o dia decorrer através do alongamento das sombras, o tic tac dos objectos, o coração a bater, sempre pacientemente, olhando tudo em roda, esperando o fim da vida, o fim do dia cada vez mais próximo que o anterior, pacientemente, menos um batimento cardíaco com que contar. Não mudar de banco no jardim para a sombra mais próxima para evitar o sol, aguardar que venha até mim, esperar o nada. Aguardar o nada.
Repudiar a acção nula que é viver, sem agir, através do nada, não alterando o curso das razões. E porquê?
Repudiar a vida, não é isto uma acção suficiente para quem o pretende fazer?
Aguardar a morte, não a aguardamos todos? Cada um à sua maneira?
A vegetação serpenteia escurecendo calmamente o relvado defronte de mim, as ervas daninhas abanam-se com a brisa impondo o triunfo sobre a mansa relva, o plátano distante, acompanha comigo esta morte paciente que é viver, ele na sua forma relativa de sombrear o quer que seja, o plátano, a mim ou eu a ele, tão ridiculamente inanimados parecemos, mas ele move-se, existe, não aguardando a morte?
O que nos distancia, além da sombra por me alcançar, é a sua vontade de não morrer, seja para me abrigar (que tolo egocentrismo humano), ou mais especificamente, engrossar as suas raízes e lutar pelo céu, fundindo os seus alicerces com o interior do mundo e alcançar a  sua etérea presença altiva na mais pura das nuvens.
À minha volta nada repudia a vida, tudo a abraça, e com tudo o que a rodeia luta contra a paciência e retarda pacientemente, a morte que a alcança sempre. Mas sem esta luta, haveria plátano?
Fico surdo com o ensurdecedor barulho industrial e maquinal que toda a vida à minha volta faz, rasgando, esticando, partido, sorvendo, comendo e respirando através da terra e do ar e das pedras e do céu, inundando a vida com seiva e mais seiva para crescer mais que todo o mundo para SOBREVIVER.

Fujo do jardim, 
deixo de aguardar a sombra que  me irá cobrir.
O coração bate agora menos,
a seiva paciente cresce.

sexta-feira, julho 26, 2013

Cheio de Deus temo

Excerto d'Cidade dos Seus

"Debruçado no embalar enjoativo das ondas, brincando com o fumo, tentando não cambalear como os barcos  por estas horas inexistentes ao rio, descontrolado orienta o seu norte para o máximo que um olho fechado consegue orientar não expurgando o seu interior de tanto álcool assimilado, dá um novo fôlego no cigarro mal feito, engole o fumo tanto quanto pode, sopra para cima, observa o fumo  libertado sobre o rio que se distingue claramente do nevoeiro fantasmagórico, prestes a libertar-se das aguas enfrentando as margens para consumir a cidade. Novamente inspira, inspira chupando para o seu interior a atmosfera pesada e satisfatória do cigarro, inspira, até não conseguir mais, sopra repetidamente, não sai mais do que um leve odor a vapor, olha com olhar estupidificado o ignóbil cilindro intencionado, papel rasgado e descolado, promove uma nova tentativa, aperta o paralelepípedo entre os seus dedos indiferentes, lambe a lateral por fumar, conseguindo empastar as ervas agora estragadas.
Enfadado, olha em volta, realizando a presença do seu parceiro que se comprometeu a não adormecer consigo junto à margem, mais um pouco e ficaria ali esquecido, não só por si, mas por ambos e suas simbióticas bebedeiras. Empurra-o para o lado tentando que não caia para a água, antes que caia para a confortável calçada que o suporta.
Acorda-o do coma instaurado, sem fazer um som, o retornado à consciência, esbugalhado, observa o horizonte inalcançável da neblina cerrada que o afronta, permanecem assim largos minutos que parecem horas, sem dizer uma palavra, um observado o outro que olha o nada, sem nada a apontar mais do que o doce e ébrio estar perante o mundo e suas tristezas de ausências pretendidas.
Já mais consciente de norte estabelecido e sem ondas enraivecidas, fazem-se dois cigarros, com enorme satisfação por serem dois cigarros semiperfeitos sem se desfazerem pela atabalhoada alcoolémia ao mínimo movimento, oferece o segundo cigarro ao parceiro, desmancha-se em espanto por ver lágrimas percorrendo a sua face, com os olhos postos no horizonte clamando silenciosamente algo perdido no imperceptível do nada.
Rendido ao mar de lágrimas, cede à questão e introverte-se nos pensamentos do alheio.
-Homem, pára de chorar, porque tás a chorar?
O silencio permanece, interrompido com soluços descontrolados, já desconfortável com tanta tristeza interpõe os soluços.
-Isto começa a ser estúpido demais, ninguém se mete a chorar para um rio, especialmente quando não vê nada nele.
Tentando-se controlar, sorve as lágrimas para si juntamente com o ranho já abundante, leva a cara ao ombro para limpar a baba que já seca no canto da boca.
-Ora não tenho culpa, choro, queres o quê?
Dois homens feitos, meio tortos, um fumando um cigarro de olhar espantado, o outro de olhos inchados, aceita o cigarro e acende-o, completando uma bela imagem por quem passe por detrás deles, duas silhuetas sentadas à beira rio, ambas fumegando. Mas sem ninguém que exista nas redondezas, a sua solidão propicia ao desabafo.
-Mas conta-lá, porra, nunca te vi assim, passa-se algo?
-Nada, estava só a olhar.
-Mas a olhar para onde? Não há nada ali, ó. – aponta em frente mostrando a interte e vazia palma da mão.
-Não percebes. – disse mergulhando a cara nas mãos.
-Epá, é possível, mas só a mim me podes explicar o que se passa, acho que mais ninguém irá estar assim como eu estou agora, completamente bêbado e receptivo a qualquer estupidez imperceptível que venha.
- Oh, espero.
-Esperas? Esperas quem, pelo barco?
-Não, comtemplo, observo, espero.
-Mas o quê homem?
-Nada.
-Nada como?
-Nada, desculpa, só espero algo.
-Mas como esperas tu se nada vem?
- Tens razão, já não espero, só comtemplo, mas se viesse, oh se viesse.
-Se viesse o quê? Quem?.
-Nada, nem sei, algo, alguém, que viesse, que venha.
-Fazer o quê?
-Algo.
O silencio invadiu os dois, fumaram o resto dos cigarros até se apagarem nos dedos, ambos observavam o nada da neblina até esta se decidir a dissipar e levantar-se, deixando a descoberto o infinito escuro da noite, reflectindo o céu nas águas inertes do rio.
Um solitário suspiro, seguido de outro.
-Emprestas-me dinheiro?
-Para quê?
-Para bebermos um copo, pergunta parva a estas horas.
-Já me deves o equivalente a dois meses de trabalho.
-E achas que te vou pagar?
-Não.
-Então vamos beber um copo, pois venha o que vier não será maior que a minha divida. "

sábado, maio 18, 2013

Um poema na internet


A internet tem destas coisas, permite-me escrever um poema enquanto olho para a definição de neoliberalismo, vejo um filme de um gato a cair, vejo mamas do outro lado do mundo, e planeio uma viagem. Mas o poema deixa de ser poema, usado e desvirtualizado com a nossa subjectividade globalizada, deixo de escrever um poema, de me fingir e sentir, de ser eu mesmo, olhando o mundo que se me apresenta, sentido a realidade, em vez de somente a olhar ao de leve, fingido o que não sou, conhecendo o que pouco me interessa, mas aprendendo, é horrível, ensina-me e corrompe o eu, o natural e humano.

Então homem como ficas?
Vens connosco beber um copo ou ficas em casa? 

sábado, março 09, 2013

A montanha


Excerto d' Cidade dos Seus

"Quando  vejo uma multidão de pessoas enfiadas em autocarros e comboios, cada um de si para si, com semblantes assombrados pela sua persistência de ausência reactiva à vida, carrancudos pelo peso carregado de uma existência infeliz ou cinzenta, ainda por vezes feliz, mas sempre ocupando a mente de pressupostos indescritíveis com as palavras simples do dia a dia, eu realizo em mim uma consciência de exaustão simples, quando o mundo são os pés que me suportam, ou a minha universalidade mental que revolve todo o existir, não diferente de todos os outros com meus pensamentos e ausências. 
Vejo que a singularidade com que existimos é o que nos faz pressentir uma diferença ao mundo quando a mesma não existe, que não serei diferente do mais próximo que me acerca, ou quanto mais serei eu diferente do mais distante, sejam eles amigos ou inimigos, além da minha própria cena que me dita as regras, não me prevejo mais do que um mandado actor inconsciente das falas e cego ao improviso.
Conformei-me em retirar da vivência actual a variável de outros seres, para me fazer sentir sozinho, para me aperceber que o mundo é tão grande quanto as pessoas que nele vivem, e a sua imensidão é sentida quando a ausência do próximo é mais notada.
Fugi dos carros e das calçadas, corri com os estendais atravessados por ruelas apertadas, esqueci o ziguezaguear ébrio que povoa os cantos de tascas apertadas, abandonei as garrafas vazias que jazem pelas janelas que já não abrem, deixei a cidade povoada de cheiro fétido e de poiais mijados para trás de mim, procurei o cume da silhueta que o horizonte mostra, esperando nele encontrar o que não encontro entre tantos seres que respiram, procuro a minha consciência própria, imaculada de interferências e excesso de antenas que me permita sentir a pessoa que há mim, ouvir o pensamento cá dentro.

Caminhei para o topo da montanha que silenciosa observava a cidade assolada de pecado lá em baixo, ao percorrer o caminho até ao cimo, não encontrei gentes com ideias, não as procurei pelas pedras que cruzava, não bati nas portas de velhos montes abandonados, levantei a cabeça bem para cima e continuei a caminhar, pé ante pé, passo a passo, cada um mais esforçado que o anterior, cada vez com mais dor, vi as árvores que sombreavam com seus galhos um chão seco e ríspido, vi a cidade pelas minhas costas, a pouco e pouco a fazer parte do horizonte, deixando de me envolver, ficando eu coberto pelo silencio da montanha e pelo perfume fétido ausente.
Senti cada pedra do chão, cada galho perdido da sua árvore, cumprimentei cada árvore e furtivo animal, abençoei cada brisa que me aliviou, absorvi cada raio de sol que me aqueceu, agradeci por todas as descidas e aprendi com todas as subidas, venerei cada gota de água que bebi das fontes límpidas e afastadas da povoação, deixei de sentir os edifícios, as suas gentes e sequer a lembrança da sua presença afastada, passo a passo aproximei-me do horizonte que agora é presente e monstruoso, dando lugar a um novo horizonte longínquo e quiçá mais belo que este que se apresenta diante de mim.

Após a subida, exausto, sentei-me no topo, ofegante respirei o ar fresco e frio que dançava ao redor do cume, olhei à minha volta, vi silhuetas de montanhas cada uma maior e mais distante que a outra, vi as luzes amarelas da cidade ao fundo, ouvi o vento, ouvi as folhas escorregando, toda a natureza demais circundante, tentei esforçar-me para ouvir os meus pensamentos, tentei meditar sobre mim mesmo e a minha consciência humana.


Ah como é bela a vista que se me apresenta.
 "